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Regulação da Flora Marinha: “Blue Carbon” e mudanças climáticas

Jessé Cruciol Júnior



No dia 06 de março o periódico The Economist publicou uma matéria sobre a absorção de carbono pelas algas marinhas e mangues, afirmando que nisso eles se sairiam muito melhor do que as florestas na terra.


Durante um bom tempo acreditamos que as florestas terrestres seriam as grandes responsáveis por capturar gás carbônico e transformá-lo em oxigênio, armazenando o carbono nesse processo, de modo a retirá-lo da atmosfera (estocá-lo). Porém, hoje, já se sabe que a flora marinha, os mangues e pântanos/brejos salgados costeiros são responsáveis por parte significativa desse processo.


A propósito, de acordo com a UNESCO e a Comissão Oceanográfico Intergovernamental (IOC – UNESCO), o carbono sequestrado em solos costeiros (Coastal Blue Carbon) pode totalizar extensa quantidade e lá permanecer preso por séculos ou até milênios. Ademais, o total de carbono depositado por quilômetro quadrado nesse sistema costeiro pode ser até 5 vezes maior que a quantidade armazenada em florestas tropicais.


A outra face dessa moeda é que a destruição desses ecossistemas leva à liberação de quantidades enormes de carbono. Apesar dessas “florestas aquáticas” não pegarem fogo como as terrestres, elas estão sujeitas a outros fatores, como furacões, mudanças na temperatura do mar etc. Além disso, também são igualmente ameaçadas pela ação humana.


Sabendo-se que o grosso das mudanças climáticas atuais se dá em razão da grande presença de carbono livre na atmosfera, é certo que o conhecimento sobre esse fato e as ações e normatizações para manter e restaurar esses processos são essenciais para mitigar os efeitos daquela.


Quanto aos mangues, esses encontram-se sob a abrangência da Convenção de Ramsar sobre áreas úmidas e são protegidos pela legislação brasileira como Área de Preservação Permanente (art. 4º, VII, do Código Florestal). As áreas pantanosas salgadas são igualmente protegidas pelo Código Florestal (art. 11-A). Todavia, o mesmo não se pode dizer da flora marinha.


A Convenção Sobre Direito do Mar (Convenção de Montego Bay) traz uma disposição razoavelmente genérica, no art. 145, “b”, referente à obrigatoriedade da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos de criar normas, regulamentos e procedimentos para “proteger e conservar os recursos naturais da Área e prevenir danos à flora e à fauna do meio marinho” (grifo nosso).


No bojo da Agenda 2030, o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável n. 14 trata da vida na água. Algumas das metas desse Objetivo acabam por tocar a proteção da flora marinha ao tratar, por exemplo, da proteção dos ecossistemas marinhos (14.2), inclusive com menção direta à Convenção de Montego Bay (14.c). Porém, a Agenda 2030 não é vinculante e nem mesmo propriamente uma norma, senão um guia político para o desenvolvimento sustentável.


No âmbito do direito interno brasileiro não há regulação específica sobre a flora marinha e sua proteção, mesmo tendo o Brasil quase 7.500 km de litoral, além do respectivo mar territorial. Menção razoavelmente genérica a isso se deu na Lei 7.661/88 (Lei do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro), a qual determina que o Plano, a ser elaborado, deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, de “recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos de algas [...]” (grifo nosso).


No mais, e em última instância, a proteção da flora marinha se encaixa nas regras gerais de direito ambiental brasileiro, que tem como texto base a Lei n. 6.938/81 (Política Nacional de Meio Ambiente). Porém, considerando a importância dessas áreas não só como integrantes de ecossistemas locais, mas como grandes armazenadoras de carbono, seu papel na ação contra as mudanças climáticas (Objetivo 13 da Agenda 2030) é crucial, apesar de inexplorado pela legislação brasileira.


As rápidas mudanças climáticas são altamente danosas para as condições de vida na terra, alterando diversos fatores que sustentam o equilíbrio que dá suporte à vida e à biodiversidade. Assim, ações que visam mitigar seus efeitos são urgentes e imprescindíveis.


O potencial de captura e armazenamento de carbono da flora marinha faz com que deva ter papel destacado no contexto da ação contra as mudanças climáticas e seus efeitos, o que vai muito além de sua proteção genérica conforme consta da legislação brasileira, merecendo estudo, discussão e normatização (por lei cogente).


Até lá, na forma dos art. 3º, inc. I, 4º, inc. IV, e 5º, inc. II e IX da Lei da Política Nacional sobre Mudança Climática (Lei 12.187/2009) projetos e ações concretas com esse propósito, de iniciativa pública, privada ou mista, devem ser fomentados, exigidos e levados a cabo, inclusive por entes subnacionais costeiros (art. 23, VI e VII, da Constituição Federal), de modo a otimizar a absorção do carbono “azul” no imenso território marinho brasileiro.


Referências:



Imagem: Ocean Climate Alliance


Sobre o autor: Juiz de Direito, Mestrando em Direitos Humanos pela UFMS, ex-Procurador da Fazenda Nacional, pós-graduado em Direito Tributário, membro do grupo de pesquisa, Bacharel em Direito pela UFMS

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